Além de ser um passo decisivo para a solução de um dos mais graves problemas do país, abre-se um leque de oportunidades para o mercado de obras de saneamento.

por Marco Botter

A Saúde, entendida como “o bem maior”, é praticamente uma unanimidade. No entanto, as nossas políticas em relação à saúde pública não têm sido coerentes com esse consenso universal.

A deterioração de nosso meio ambiente mostra claramente esse paradoxo. Especialmente quando se coloca foco na poluição dos rios, lagoas e oceano; junto às áreas urbanas, causada pelo homem. No Brasil, em pleno século 21, a condição é vexatória, com apenas 49,1% do esgoto produzido devidamente tratado.

Estudiosos como Eduardo Gianetti da Fonseca e Drauzio Varella têm feito alertas contundentes sobre o tema. Uma criança recém-nascida utiliza 90% das calorias da amamentação para desenvolvimento do cérebro e somente 10% para manutenção do restante de seu organismo. Se tiver uma diarreia por contato com água contaminada, seu organismo terá que se reorganizar, consumindo muita energia para combater a infecção. Enquanto durar essa batalha pela vida, o cérebro estará prejudicado em sua formação, sem chances de recuperação no futuro. Como consequência, a capacidade cognitiva desse bebê estará comprometida. Um dano irreparável.

Se houvesse ampla divulgação desse tipo de informação, a sociedade se conscientizaria e pressionaria os governos por soluções. Historicamente, o saneamento sempre foi considerado um segmento de “segunda classe” no universo da infraestrutura do nosso país. Há até uma frase popular que diz: “político não gosta de inaugurar obra enterrada”, porque ninguém vê, não dá votos.

De fato, segmentos como Aeroportos, Rodovias, Ferrovias, Energia ou Telecomunicações, tem se mostrado, no decorrer dos anos, áreas mais prestigiadas. Sou engenheiro há mais de 40 anos e posso atestar que essa tem sido a realidade há muito tempo.

Ouso cogitar que a estruturação do ensino da engenharia, no passado, também tenha influído no processo de desglamourização da área, quando não havia a preocupação que hoje temos com o meio ambiente.

Essa mentalidade do mundo acadêmico somada a outros fatores, talvez tenha colaborado para manter o saneamento na “série D” da infraestrutura. Interessante notar que essa distorção de prioridades não aconteceu só no Brasil.

A Clean Water Act” (CWA), lei que definiu metas e estratégias de combate à poluição dos corpos d’água nos EUA, foi aprovada apenas em 1972. Essa Lei reorganizou e ampliou legislação de 1948 (Federal Water Pollution Act). Ainda assim, a aprovação da CWA só ocorreu porque o Congresso americano derrubou o veto do então Presidente Richard Nixon. Mesmo sendo considerada a mais importante medida a favor do meio ambiente naquele país, 50 anos depois de sua tumultuada promulgação ainda provoca polêmica. Seus detratores questionam a efetiva vantagem dos gigantescos investimentos feitos pelo Governo Federal e estados. Algumas publicações mencionam cifra de até US$ 1 trilhão a valores atuais, considerando-se as inversões para tratamento de efluentes industriais e domésticos.

E quanto ao Brasil?? Sempre considerado por aqui o “patinho feio” da infraestrutura, o setor de saneamento finalmente deverá passar por uma profunda mudança no país. A conscientização de que saneamento básico é sinônimo de saúde pública está cada dia mais consolidada. E a melhor demonstração disso foi a aprovação do Novo Marco Regulatório do setor, em 2020.

As metas definidas pela Lei Federal 14.026/2020 são audaciosas: universalização no fornecimento de água potável tratada para 99% da população e esgoto tratado para 90% dos brasileiros até 2033, ou seja, em pouco mais de 10 anos. Certamente, no futuro, em se concretizando essas expectativas, o momento atual será considerado como um marco de avanço civilizatório.

Segundo estudos da ABCON – Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, o atendimento às metas estabelecidas no Marco Regulatório demandará investimentos de R$ 164 bilhões no abastecimento de água e R$ 436 bilhões nos sistemas de esgotos sanitários, para o período de 2022 até 2033.

As obrigações estabelecidas pelo Marco Regulatório certamente criarão um volume inédito de oportunidades no segmento de obras de saneamento. Para se ter ideia do salto que seremos obrigados a dar, no Brasil o investimento médio em saneamento entre os anos de 2009 e 2018, segundo o SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – foi de R$ 13,66 bilhões/ano. Para cumprimento das metas do Marco Regulatório esta cifra deverá alcançar R$ 54,55 bilhões/ano!

A ótima notícia é que este movimento já começou. O Rio de Janeiro e o Ceará saíram na frente. A CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro – e a CAGECE – Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará – já realizaram as primeiras licitações para concessão, à iniciativa privada, dos serviços de saneamento nos blocos resultantes do processo de regionalização proposto no Marco Regulatório.

No primeiro caso foram leiloados 4 blocos concedendo a gestão de distribuição de água e operação dos esgotos sanitários, para atender 13 milhões de habitantes.

No estado nordestino, já foram licitados dois blocos, abrangendo 24 cidades com uma população total superior a 4 milhões de habitantes. Os investimentos devem se iniciar em breve.

O país passa por uma virada emblemática no setor de saneamento e as perspectivas para o futuro próximo são animadoras. Consagrado o conceito de saneamento como sinônimo de saúde pública, as obras para implantação da infraestrutura sofrerão um impacto positivo inédito. O cenário para o segmento de obras de saneamento é altamente promissor e a indústria da construção civil especializada está perfeitamente aparelhada e preparada para enfrentar tal desafio.

Nossas empresas detêm o “know how” e equipamentos de ponta, além de mão de obra altamente especializada e treinada para atender, com folga, a demanda que se vislumbra à frente. Para que tudo isso se torne realidade, a sociedade civil precisa se manter atenta e exigir que as metas estabelecidas pelo Novo Marco Regulatório sejam de fato cumpridas. O país todo sairá ganhando.

Marco Botter

Engenheiro Civil

Diretor da empresa Telar Engenharia e Comércio S/A