Por Marco Botter

Em 09/08/2016

O Brasil continua sendo um país de muitos contrastes.

Em levantamento feito no ano de 2012, nosso país alcançou o 4º lugar, em números absolutos, entre aqueles que acessam a internet. Mais de 60% da população brasileira acessa a rede mundial de computadores. Fomos superados apenas pela China, Índia e Estados Unidos – notar que os três países têm populações significativamente maiores que a nossa.

Quanto aos usuários da rede social mais popular do mundo, o Facebook, em estatística do ano de 2013 ficamos em 2º lugar, com 65 milhões de usuários, superados apenas pelos Estados Unidos.

Percebe-se que nossa população está entre as mais “conectadas” do planeta.

No entanto, é lamentável que nossa sociedade, apesar disso, é ainda muitíssimo mal informada quanto à ordem de prioridades das suas próprias necessidades básicas.

Basta conhecer os números vergonhosos do setor de Saneamento do país. O Jornal Valor Econômico em sua matéria com título acima enunciado, informou:

“Menos da metade das residências do país tem cobertura de esgoto atualmente, enquanto o fornecimento e água atende 93% da população. O investimento anual no setor, público e privado, gira em torno de R$ 12 bilhões, bem abaixo dos R$ 15 bilhões por ano necessários para universalizar os serviços em 20 anos, como prevê o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).”

É trágico pensarmos que menos de 40% do esgoto produzido no país recebe tratamento adequado.

Para uma população com 200 milhões de habitantes, considerando cobertura de 90% para água potável, despejamos diariamente mais de 12 milhões de metros cúbicos de esgotos não tratados em nossos rios e em nossa orla marítima.

As conseqüências deste disparate são arrasadoras. Até mesmo a capacidade cognitiva de nossas crianças é afetada, pois 75% das internações na rede pública de saúde têm origem nas doenças transmitidas pela poluição das águas.

Doenças como diarreia acabam prejudicando a alimentação nos primeiros anos da infância, comprometendo definitivamente a capacidade intelectual de muitos destes doentes. Outro dado informado pelo Instituto Trata Brasil dá conta de que 7 crianças morrem todos os dias no país por doenças originadas em água contaminada. São 2.500 mortes por ano!!!

Nossos números do setor de Saneamento são inaceitáveis e nos envergonham.

Conclusão: apesar de toda nossa “conexão” não sabemos avaliar nossas prioridades.

Dessa forma, qualquer medida em favor de mais investimento no setor de Saneamento Básico no Brasil é urgente e muito bem-vinda.

É sabido que apesar de, até o momento, o setor privado ainda representar apenas 5% do atendimento total do Brasil em termos populacionais, a solução definitiva passa pela atuação conjunta do ente privado e do Setor Público.

A Lei 11.445/2007 – Lei Nacional do Saneamento representou um grande avanço para o Setor. Com um regramento mais claro, o Setor Privado pôde avançar em seus investimentos. No entanto, nosso atraso é de tal modo gigantesco que muito mais ainda precisa ser feito.

As medidas anunciadas pelo Governo Interino de Michel Temer são necessárias mas estão muito longe de ser suficientes.

Conforme a matéria do jornal Valor Econômico, são três frentes.

O Projeto de Lei no 95, de 2015 (no 2.290/15 na Câmara dos Deputados), que “Altera a Lei no 11.445, de 5 de janeiro de 2007.

Consideramos boa iniciativa, porém, muito tímida. Para ser uma medida mais efetiva, as empresas de Saneamento deveriam ser totalmente desoneradas de PIS e Cofins, aplicando tais recursos na ampliação de suas facilidades. Renúncia fiscal? Sim! Mas com um objetivo altamente prioritário. Somente a Sabesp teria disponibilidade de investir cerca de R$ 700 milhões por ano.

A exigência legal de criação de agências reguladoras locais para o estabelecimento de parcerias entre os setores público e privado é plenamente justificável (Lei 11.445/2007). No entanto, por outro lado, gerou a distorção apontada pela ABCON – Associação Brasileira da Concessionárias Privadas de Água e Esgoto. Proliferação de agências municipais nem sempre aparelhadas para exercer seu importante papel.

Nessa linha, encarregar um organismo competente para exercer tal regulação pode ser a solução. Porém, para que a ANA – Agência Nacional de Águas exerça esse papel, haverá que se promover uma reestruturação voltada para essa nova atribuição.

Considerando-se as enormes diferenças regionais em nosso país, uma medida recomendável seria a criação de escritórios regionais, obedecendo critérios geográficos ou mesmo de influência por bacia hidrográfica.

Quanto ao terceiro eixo de atuação do Governo, consideramos altamente meritória a iniciativa de apoio federal para estados e municípios, com o objetivo de elaborar modelagens de parcerias com a iniciativa privada, visando à ampliação dos investimentos no setor.

Consideramos, portanto, um alento que o atual Governo Federal tenha se preocupado em atacar aquele que é o mais frágil e abandonado setor de toda a nossa infra-estrutura.

No entanto, preocupa-nos, ainda, a desinformação total de grande parte de nossa sociedade quanto à magnitude do descalabro que representa o Setor de Saneamento no Brasil, no tocante à coleta, afastamento e principalmente ao tratamento de esgoto.

Como vimos recentemente no cenário político, as mudanças realmente importantes são conseguidas pela mobilização da sociedade, quando bem informada e com foco determinado.

Nossa opinião é de que, somente quando a Sociedade se sensibilizar com a suma importância do Setor de Saneamento e sua íntima relação com a saúde pública é que poderemos ter esperança de que a solução será alcançada.

Comentários em referência à matéria do Valor Econômico, de 22/07/2016.

*Marco Botter é diretor-presidente da TELAR Engenharia e Comércio S.A, Engenheiro Civil, Poli USP, Pós-Graduado Métodos Quantitativos, FGV.